O Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) é a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil, projetada para levar água às regiões mais áridas do Nordeste e mitigar os efeitos da seca para 12 milhões de pessoas, em 390 municípios, entre os estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Concebido com o objetivo de garantir o acesso sustentável aos recursos hídricos e melhorar a qualidade de vida dos ambientes locais, o projeto envolveu a construção de dois segmentos de canais, os Eixos Norte e Leste que, juntos, somam 477 quilômetros de extensão, aos quais se somam 13 aquedutos, nove estações de bombeamento, nove subestações de 230 quilowats, 270 quilômetros de linhas de transmissão em alta tensão, 27 reservatórios e quatro túneis, entre os quais, o túnel Cuncas I que, com 15 quilômetros de extensão, entre os estados do Ceará e da Paraíba, é o maior da América Latina para transporte de água. Além das estruturas físicas para adução e transporte da água, o PISF contempla 18 Vilas Produtivas Rurais (VPR), onde foram reassentadas 848 famílias.
Visão Geral
A ideia de transportar as águas do Rio São Francisco para abastecer o Nordeste semiárido remonta a séculos atrás, durante o Brasil Império e, desde então, tem sido um projeto de interesse nacional. Hoje, o PISF é uma das obras mais ambiciosas em termos de engenharia e impacto social, representando um esforço para redistribuir recursos hídricos de uma região abundante para áreas com recursos limitados. O projeto não apenas transforma a realidade do povo que historicamente sofre com a seca, mas também fortalece a economia regional, estimula o desenvolvimento local e fomenta a sustentabilidade hídrica.
Neste artigo, vamos explorar a origem e evolução histórica do Projeto São Francisco , desde os primeiros registros de intenção de transporte como águas, ainda no período imperial, até o planejamento moderno e a execução contemporânea da obra. Vamos analisar como o projeto se consolida ao longo do tempo, enfrentando desafios técnicos, ambientais e sociais, e como a sua implementação busca equilibrar o desenvolvimento humano e a preservação ambiental.
Inspiração Histórica: A Primeira Visão, ainda no Brasil Império
A ideia de transportar as águas do Rio São Francisco para o semiárido nordestino remete ao Brasil Império, quando as secas constantes na região causaram sérias dificuldades para a população. O primeiro plano de transposição de que se tem notícia é da década de 1810, no fim do Brasil-Colônia, período em que já havia relatos das migrações do Nordeste para regiões não afetadas pela falta d´água ou pela dificuldade de cultivo de alimentos.Esse cenário gerou as primeiras reflexões sobre como aliviar a escassez de água, mas a ideia só começaria a ser levada a sério anos mais tarde, no Brasil-Império, quando líderes e estudiosos propuseram soluções que poderiam redistribuir os recursos hídricos da bacia do São Francisco para as regiões mais necessitadas do país. Dom Pedro II esteve bem perto de executar o “encanamento” (a palavra usada na época) das águas do Rio São Francisco.
Influências do Império
Dom Pedro II, imperador do Brasil, foi um dos primeiros líderes a compreender a gravidade da situação enfrentada pelo Nordeste e sonhar com uma solução de longo prazo para as dificuldades hídricas da região. Em uma visita ao sertão, Dom Pedro II chegou a afirmar que “daria até a última joia da coroa” para resolver o problema da seca, demonstrando seu compromisso pessoal com o bem-estar da população nordestina. Esse desejo de buscar alternativas para mitigar os efeitos das secas foi uma marca da política imperial e se consolidou como um dos primeiros passos na concepção do projeto de transposição das águas.
Primeiros Estudos e Propostas
Durante o Brasil Império, foram realizados estudos preliminares que identificaram o Rio São Francisco como uma fonte viável de água para atender as regiões mais áridas. Embora a tecnologia da época fosse limitada, as propostas idealizadas por engenheiros e especialistas visavam a construção de canais para transportar as águas do rio para áreas distantes e carentes de recursos hídricos. Essas propostas iniciais, embora ambiciosas para o período, não foram concretizadas devido às limitações técnicas e financeiras, mas estabeleceram as bases para o desenvolvimento do projeto no século XX.
O Brasil Republicano e a Evolução do Projeto
Primeiras Soluções Científicas para o Problema da Água no Nordeste
Após a Independência do Brasil, em 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foi criado com o objetivo de promover estudos e soluções para diversos problemas nacionais. Uma das primeiras iniciativas do IHGB foi a organização de uma missão científica em 1859, liderada pelo Barão de Capanema, composta por geólogos, botânicos, zoólogos, astrônomos e geógrafos, para realizar um reconhecimento detalhado do norte do Nordeste. Durante suas análises, o Barão destacou a necessidade urgente de melhorar as estruturas de transporte e armazenamento de água na região.

Em suas análises, o Barão de Capanema enfatizou a necessidade de melhorar as estruturas de transporte e armazenamento de água. Uma das propostas mais inovadoras da missão foi a construção de 30 açudes e a implementação de um sistema de transposição de águas do Rio São Francisco para o Rio Jaguaribe, localizado no interior do Ceará. Essa iniciativa visava integrar soluções de engenharia com um entendimento profundo das necessidades ambientais e sociais da região.
A proposta do Barão de Capanema era pioneira, pois buscava enfrentar os desafios da seca e da escassez de água no Nordeste de maneira sustentável e eficiente e foram fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de gestão hídrica na região, influenciando políticas públicas e projetos de infraestrutura que buscavam mitigar os efeitos da seca e melhorar a qualidade de vida das populações afetadas.
A Grande Seca
Entre 1877 e 1879, ocorreu a Grande Seca, na qual se estima que 1,7 milhão de pessoas tenham morrido de fome e sede. A construção do primeiro açude, no entanto, só começou em 1884 e foi concluída 22 anos depois do início das obras, em 1906. A necessidade de resolver a crise hídrica no Nordeste se tornou uma questão urgente, mobilizando não apenas os governos, mas também a sociedade civil. O desespero da população frente às secas que se sucediam impeliu o governo imperial a buscar alternativas mais eficazes. A década de 1890 viu o surgimento de propostas de irrigação mais ousadas, além da continuidade dos projetos de construção açudes.
Nesse contexto, destacam-se as iniciativas de técnicos e engenheiros que visitavam países como o Egito e do oeste dos Estados Unidos, com climas áridos e que haviam desenvolvido sistemas de captação e manejo de água. Este intercâmbio os inspiraram a discutir a possibilidade de criar um vasto sistema integrado de irrigação e transporte de água que pudesse assegurar a sobrevivência das comunidades do Sertão.
Nos anos seguintes, o país enfrentou novos períodos de seca, o que rapidamente intensificou o debate sobre a importância da transposição das águas do São Francisco.
Primeiras Tentativas da República Velha
Com o advento da República, o Brasil passou por um período de reformas e novas prioridades políticas, mas a questão da seca no Nordeste e a possibilidade de transposição das águas do Rio São Francisco continuaram a ser discutidas. Nos primeiros anos da República Velha (1889-1930), várias propostas foram levantadas, mas as previsões técnicas e os recursos necessários para uma obra desse porte estavam além das capacidades do governo na época. Os desafios técnicos, como a escassez de equipamentos avançados e mão de obra especializada, combinada com o alto custo, limitaram o avanço do projeto durante esse período.
Período de Estagnação
Após a tentativa inicial de implementação do projeto, o Brasil apresentou um longo período de estagnação quanto à ideia de transposição, agravado por dificuldades financeiras e políticas. A construção de açudes, embora representasse um avanço, mostrava-se insuficiente diante das dimensões do desafio hídrico.
Assim, o debate sobre a transposição se tornou uma constante nas agendas políticas, refletindo a compreensão crescente de que apenas acumular água não era solução para as crises cíclicas enfrentadas pela população nordestina. A compreensão de que a água é um recurso vital, não só para a sobrevivência, mas para o desenvolvimento econômico e social da região, impulsionou a formulação de novas políticas hídricas e a busca por fontes de financiamento para viabilizar as obras necessárias.
Chegado o final da década de 1940, o cenário começava a mudar com a criação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), que buscou implementar planos de irrigação mais ambiciosos e estruturar a canalização das águas do rio, revigorando a esperança de muitos que habitavam as terras áridas do Nordeste. Neste campo de atuação, surgiram novas lideranças e o apoio da população começou a ser decisivo para a aprovação de projetos que trariam um novo capítulo na história da luta por água no Brasil.
Planos Governamentais
Apesar dos contratempos, ao longo do século XX, alguns governos retomaram os planos de transposição das águas do Rio São Francisco como parte de suas políticas para o desenvolvimento do Nordeste. Durante a ditadura militar (1964-1985), por exemplo, foram feitos estudos e projetos modificados para tentar resolver a questão da seca. Porém, esses planos foram frequentemente descontinuados devido a mudanças de governo, priorização de outras áreas e falta de consenso sobre a melhor maneira de executar a obra. Somente no final do século XX, com a ascensão de novos planos de desenvolvimento e políticas voltadas para a infraestrutura hídrica, a transposição do Rio São Francisco passou a ser novamente debatida com a possibilidade de execução real, engajando governantes e passando a ser acompanhada de perto por estudiosos e interessados na preservação dos ecossistemas locais e nos impactos ambientais de uma obra de tal magnitude.
A Nova República e o Avanço nas Décadas de 1980 e 1990
Desenvolvimento e Pesquisa
Nas décadas de 1980 e 1990, o projeto de transposição do Rio São Francisco ganhou força com o avanço de novos estudos técnicos, sociais e ambientais. Durante esse período, as pesquisas foram focadas em criar uma abordagem prática e viável para superar os desafios da relevância nordestina e minimizar o impacto ambiental. Estudos mais detalhados buscam identificar áreas específicas de distribuição e projetar métodos que garantam a sustentabilidade do rio, o abastecimento de água e as previsões econômicas. Essas pesquisas foram essenciais para estabelecer um plano de transposição que equilibrasse a necessidade de água no semiárido nordestino com a preservação dos recursos naturais.
O diálogo, portanto, começou a ser ampliado, refletindo o entendimento de que o futuro da água no Nordeste exigia um planejamento que incluísse tanto a gestão de recursos hídricos quanto a justiça social para aqueles que dependiam da terra e da água para viver.
Mobilização Política e Social
A crescente mobilização em torno do projeto foi visível tanto no cenário político quanto na sociedade civil. A seca no Nordeste era uma questão cada vez mais discutida no âmbito nacional, ganhando força com movimentos de conscientização popular e mobilizações políticas. A transposição passou a ser vista não apenas como um projeto de infraestrutura, mas como uma medida de justiça social e desenvolvimento regional. Esse apoio coletivo ajudou a conceber o governo da importância do projeto, destacando a seca como uma emergência humanitária e econômica para a população nordestina.
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Gostou de saber sobre as soluções pioneiras para a transposição do Rio São Francisco? Então, não perca a Parte 2 do nosso artigo, onde exploraremos os desafios enfrentados durante a implementação do projeto e os impactos positivos que ele trouxe para o Nordeste. Acompanhe e descubra como essa iniciativa transformou a vida de milhões de pessoas!